O Ministério Público Federal (MPF) inspecionou nesta semana acampamentos indígenas Yanomami nos arredores da Feira do Produtor, em Boa Vista, e constatou violações de direitos que afetam cerca de 40 pessoas, entre elas crianças, adolescentes e gestantes.
A diligência foi conduzida pelo 7º Ofício da Procuradoria da República em Roraima, responsável pela Defesa dos Direitos Indígenas e das Minorias, em parceria com a Força-Tarefa da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Antes da vistoria, os órgãos já haviam se reunido para tratar dos fluxos pendulares — deslocamentos frequentes de indígenas das regiões de Xexena e Ajarani, no sul de Roraima, até a capital.
Durante a vistoria, os agentes encontraram famílias acampadas em vias públicas, em dois grupos, vivendo em condições precárias: abrigos improvisados, sem acesso à água potável, saneamento básico, estrutura de higiene ou abrigo adequado. O acampamento está situado próximo a vias com grande tráfego de veículos, o que agrava os riscos para as crianças.
O MPF levantou que algumas das crianças já foram institucionalizadas por decisão judicial em deslocamentos anteriores, devido a situações de risco detectadas. A situação reflete recorrência do problema, segundo o órgão.
A Funai ofereceu transporte para que os grupos retornem à Terra Indígena Yanomami (TIY), mas eles permaneceram no local. A Secretaria de Estado do Trabalho e Bem-Estar Social de Roraima (Setrabes) prestou assistência alimentar emergencial durante a operação.
De acordo com o MPF, os deslocamentos ocorrem por motivos como a busca por atendimento de saúde especializado, realização de atividades bancárias ou elevada circulação entre a cidade e os territórios indígenas. Porém, falta infraestrutura de acolhimento urbano e articulação entre órgãos federais, estaduais e municipais para amparar as famílias durante esses trajetos.
Como resultado da vistoria, o MPF exigiu que o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami atue em relação às vulnerabilidades identificadas. Também solicitou que a Funai apresente um plano de ação para os fluxos pendulares. O órgão acompanha a articulação com o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) para proteger menores em risco e monitora a aplicação do protocolo de atendimento aos povos indígenas de Roraima.
O MPF atua nesse tema há mais de uma década. Em 2019, moveu ação civil pública contra a União que gerou a instalação de uma Base de Proteção Etnoambiental e um posto de saúde na área de Xexena. Partes da ação, como a inclusão do Estado de Roraima e municípios na assistência urbana, ainda aguardam decisão judicial.
Entre 2021 e 2023, o MPF liderou o Grupo de Trabalho Fluxos Pendulares Yawari com diversos órgãos, mas foi desativado antes da aplicação das medidas. A partir de 2023, as ações federais se intensificaram na Terra Indígena Yanomami, com decretos de emergência em saúde pública e planos interministeriais. Em 2024, o MPF dialogou com a Funai para formular plano de ação permanente para deslocamentos, acolhimento urbano e assistência contínua.
Também em 2024 foi elaborado o Protocolo de Atendimento de Crianças, Adolescentes e Jovens dos Povos Yanomami e Ye’kwana, criado pela Universidade de Brasília (UnB) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). O protocolo, com participação dos órgãos de Roraima e Amazonas, define diretrizes para atendimento culturalmente adequado, mas ainda aguarda validação pelas instâncias indígenas antes de ser implementado localmente.
