A Comunidade Indígena Canauanim, localizada no município de Cantá, na região leste de Roraima, recebeu na quarta-feira (22) a edição itinerante da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (Ejud/TRT-11). O encontro foi marcado por apresentações culturais, escuta ativa e reivindicações urgentes sobre os direitos dos povos originários. As informações foram divulgadas nesta quinta-feira (23).

A ação reuniu lideranças indígenas locais e migrantes, além de representantes de instituições como o Ministério Público de Roraima (MPRR), a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Roraima (OAB/RR), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e outros órgãos voltados à defesa dos direitos humanos e à proteção da infância indígena.

Durante a escuta, a vice-tuxaua Tatiana, representante do tuxaua Helinilson, apresentou reivindicações diretamente às autoridades, destacando problemas como a precariedade da infraestrutura escolar, a ausência de políticas de saúde mental e a falta de cuidadores para alunos com deficiência. Também foram denunciados casos de trabalho infantil e exploração sexual em áreas de fronteira.

As demandas apresentadas serão reunidas na Carta de Intenções de Roraima, elaborada pelo TRT-11, que se comprometeu a encaminhar o documento a tribunais superiores e órgãos do sistema de Justiça, como forma de garantir visibilidade e encaminhamentos concretos às solicitações feitas pelas comunidades indígenas.

Durante a abertura do encontro, a desembargadora Ruth Barbosa Sampaio, diretora da Escola Judicial do TRT-11, ressaltou a importância de realizar o evento dentro do território indígena.

“A Escola Judicial, da qual sou diretora, se compromete não apenas a ouvir, mas a agir”, afirmou. Ela também destacou que os saberes tradicionais precisam ser fortalecidos nas aldeias, em suas línguas maternas, como forma de preservar a identidade e a autonomia dos povos originários.

O juiz do Trabalho Igo Zany Nunes Corrêa, vice-diretor da Ejud-11, reforçou o simbolismo do ato.

“Queremos saber como podemos colaborar e cooperar”, disse, destacando o valor do diálogo direto e respeitoso com as comunidades. Já a desembargadora Joicilene Jerônimo Portela, coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, alertou para a urgência de enfrentar a exploração sexual de crianças e adolescentes. “Toda criança é nossa criança. E toda criança merece, da sociedade e de todos os poderes constituídos, prioridade absoluta”, afirmou.

O promotor de Justiça Márcio Rosa, do MPRR, compartilhou uma experiência pessoal para ilustrar a importância de compreender as visões indígenas. Ele relatou que, ao ser questionado por um tuxaua sobre os conceitos ocidentais de infância e adolescência, percebeu a necessidade de escuta ativa.

“Antes de ensinar, precisamos ouvir. Só assim podemos compartilhar verdadeiramente o que sabemos. Porque há muito mais a aprender do que a ensinar”, afirmou.

A presidente da Funai, Joenia Wapichana, reforçou o papel do reconhecimento da ancestralidade dos territórios indígenas para um diálogo genuíno.

“Terra indígena é terra ancestral, como muito bem disse nossa desembargadora Ruth”, afirmou. “A escuta ativa é essencial para construir soluções coletivas.”

Entre os principais pontos levantados, destacaram-se o fortalecimento da saúde mental, o combate ao trabalho infantil e à exploração sexual, a valorização da educação bilíngue, a ampliação da infraestrutura escolar e o apoio às organizações indígenas, especialmente os grupos de mulheres que atuam voluntariamente nas comunidades. Também foi citada a urgência de investimentos estruturais que garantam ensino de qualidade e condições dignas, respeitando os saberes tradicionais.

Migrantes indígenas

Durante o evento, um representante do povo Warao, migrante indígena da Venezuela, denunciou ameaças de remoção forçada da comunidade, estabelecida há quase dez anos no Brasil. Ele relatou episódios de xenofobia, discriminação e dificuldade de acesso a serviços públicos, agravados pela falta de reconhecimento como povo indígena.

“Somos tratados como se não fôssemos humanos. Mas somos. Somos indígenas”, afirmou.

Educação e infraestrutura

A gestora Greice Rocha, da Escola Estadual Indígena Tuxaua Luiz Cadete, na Comunidade Tabalascada, destacou o valor do deslocamento das autoridades até os territórios.

“O deslocamento até nosso território, a base, para realizar essa escuta ativa, mostra respeito e compromisso com nossa realidade”, disse.

O coordenador comunitário Lucas Alexandre ressaltou a urgência de reformas escolares e a construção de refeitórios.

“As crianças fazem suas refeições em um espaço improvisado, construído pela própria comunidade”, contou.

A professora Edith da Silva Andrade, do povo Macuxi, defendeu o ensino bilíngue e a valorização dos saberes tradicionais.

“Aprender a plantar maniva, fazer caxiri, beijus, farinha — isso também é aprendizagem”, afirmou.

Outras educadoras pediram a presença de cuidadores para alunos com deficiência e denunciaram que muitas salas de aula são pequenas e não comportam o número de estudantes. Elas também pediram mais capacitações para os professores e o fortalecimento da educação indígena de acordo com a legislação vigente.

Saúde e condições sociais

As lideranças também relataram casos de adoecimento coletivo devido à ausência de políticas públicas. A coordenadora-geral da Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR), Gabriela Nascimento Peixoto, alertou para o esgotamento emocional de mulheres e professoras.

Já o advogado Vanderson Cadete Wapichana, da Comissão de Direitos Indígenas da OAB/RR, afirmou que muitas comunidades seguem sem assistência básica, especialmente as de difícil acesso. “Há locais em que o atendimento à saúde sequer chega”, disse.

O combate à violência sexual também foi abordado com preocupação. As lideranças cobraram ações urgentes de acolhimento e proteção às vítimas, principalmente nas áreas de fronteira.