Um levantamento feito pelo Instituto Serrapilheira indica que 26 das 33 terras indígenas de Roraima estão cercadas por lavouras de soja. O cenário, equivalente a quase 80% do total, tem provocado mudanças na rotina e no ambiente de comunidades como a Morcego, na Terra Indígena Serra da Moça, onde famílias dos povos Macuxi e Wapichana convivem com a aproximação dos cultivos desde 2018.

Segundo o líder indígena Jabson Silva, aeronaves usadas para pulverizar defensivos agrícolas realizavam curvas sobre a comunidade, o que teria provocado problemas de pele e dificuldades respiratórias em moradores. Ele afirma que idosos foram os mais afetados pela exposição aos produtos. A plantação mais próxima fica a cerca de 250 metros das casas, separada apenas por uma cerca de madeira.

O avanço da soja em Roraima acompanha um crescimento expressivo da atividade no estado. A área plantada aumentou mais de 500% entre 2017 e 2024, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A produção também multiplicou por nove no período, tornando a soja o principal produto exportado em 2024. Os principais destinos são China, países vizinhos e nações da União Europeia.

O estudo aponta ainda que terras indígenas menores e isoladas são mais vulneráveis à pressão agrícola. Nessas áreas, os impactos ambientais tendem a ser maiores. Os pesquisadores registraram quase duas mil espécies de fauna e flora e observaram que a proximidade com plantações reduz especialmente a presença de anfíbios e aves.

Além das questões ambientais, a comunidade relata dificuldades crescentes para manter práticas tradicionais. Moradores dizem que plantas usadas na alimentação e na medicina indígena estão desaparecendo. Há queixas sobre poeira, ruído intenso de máquinas e uso constante de defensivos agrícolas.

Em 2021, após denúncias dos moradores, o Ibama multou produtores da região e proibiu a pulverização aérea. No ano seguinte, o órgão constatou novas irregularidades, aplicou mais multas e o caso resultou em uma decisão judicial que suspendeu definitivamente o uso de aeronaves.

Para o pesquisador Bruno Sarkis, políticas estaduais adotadas nos últimos anos favoreceram a chegada de grandes produtores ao estado, com medidas que flexibilizaram normas fundiárias, reduziram a reserva legal e autorizaram desmatamento em larga escala por meio do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE). Ele afirma que os ganhos econômicos não chegam de forma equilibrada às populações locais.

O governo estadual não enviou posicionamento até a publicação.

Com informações do Brasil de Fato e Samantha Rufyno/Repórter Brasil