O Médicos Sem Fronteiras (MSF) concluiu suas atividades de apoio à saúde na Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima, após quase três anos de atuação. O trabalho incluiu atendimento médico geral, combate à malária, apoio à saúde mental, promoção de saúde ambiental e melhorias de infraestrutura, além de integrar práticas tradicionais indígenas aos cuidados médicos.

No polo-base de Auaris, a região mais densamente povoada da TIY, moradores perceberam mudanças na estrutura: redes serviam como leitos, e placas sinalizavam os espaços em português, Sänoma e Ye’kwana. Segundo Miro Sanöma, da Comunidade Kululu, o atendimento passou a ser integrado.

“Agora os cuidados de saúde são de forma integrada, Sanöma e serenabi [não indígena] juntos. Pajé e doutor juntos. Se uma pessoa fica muito doente, primeiro ela faz xapori [ritual de cura], depois leva para o posto. Serenabi e Sanöma trabalhando juntos.”

A TIY é o maior território indígena do Brasil, com mais de 30 mil pessoas distribuídas em uma área maior que Portugal. O polo-base de Auaris concentra principalmente as etnias Sanöma e Ye’kwana. A reforma das unidades de saúde feitas em parceria com as autoridades de saúde indígena é um dos legados deixados pelo MSF.

O início do trabalho em maio de 2023 ocorreu poucos meses após a decretação da emergência sanitária. As equipes do MSF enfrentaram um cenário difícil, oferecendo atendimento a casos graves de desnutrição, malária em estágio avançado, desidratação e acidentes com picadas de cobras.

“Quando cheguei, havia uma média de um paciente grave por dia. À medida em que o trabalho de prevenção avançou, principalmente devido à promoção de saúde nas comunidades, percebemos a diminuição dos casos graves. Hoje eu já quase não atendo pacientes graves aqui em Auaris”, relatou Carlos Camacho, médico do MSF.

Valorização de saberes

Dados do Ministério da Saúde mostram queda de 20,7% nos casos de malária entre o primeiro semestre de 2024 e o mesmo período de 2025, de 17.952 para 14.233. O número de mortes também caiu, de dez em 2023 para nove em 2024 e três nos seis primeiros meses de 2025.

O MSF também atuou na Casa de Apoio à Saúde Indígena Yanomami e Ye’Kwana (Casai-YY), em Boa Vista, acompanhando pacientes que precisavam de cuidados fora do território. A equipe promoveu ações de saúde mental, psicoeducação, primeiros cuidados psicológicos, grupos de apoio e atividades coletivas, alcançando 5.582 participantes. Foram feitas 523 consultas individuais, sendo 70% mulheres e 51% adultos jovens.

A organização valorizou saberes tradicionais e contou com antropólogos e mediadores interculturais para facilitar o diálogo. Essa escuta ajudou na conscientização sobre malária, nutrição e manejo de lixo, estimulando a busca por assistência ainda no estágio inicial da doença.

Transição responsável

Durante o encerramento, o MSF concentrou esforços em garantir uma transição responsável e sustentável, oferecendo treinamentos para profissionais de saúde e membros das comunidades.

“O processo de transição é uma oportunidade para garantir que os avanços dos últimos anos possam continuar beneficiando as comunidades indígenas. Chegamos com conhecimentos sobre doenças e tratamentos de não-indígenas e aprendemos sobre as doenças espirituais e as curas realizadas pelos xamãs. Seguimos comprometidos em compartilhar o conhecimento adquirido em Roraima para que ações futuras — dentro e fora de MSF — possam se basear nesta experiência”, afirmou Damaris Giuliana, coordenadora do projeto em Roraima.

O MSF atua no Brasil desde os anos 1990, inicialmente em resposta a surtos de cólera, depois em episódios de malária e, mais recentemente, durante a pandemia de covid-19, sempre com foco no fortalecimento do acesso à saúde para povos indígenas.