O grupo criminoso venezuelano Tren de Aragua tem se consolidado como uma das principais facções em Roraima, espalhando terror com assassinatos brutais, torturas, esquartejamentos e domínio do tráfico em bairros de Boa Vista, além de atuar em acampamentos da Operação Acolhida, programa federal que auxilia refugiados e migrantes venezuelanos desde 2018.

O estado fronteiriço da Região Norte tem 13 dos 15 municípios dominados por facções criminosas, incluindo o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). Conforme a 4ª edição do estudo Cartografias da Violência na Amazônia, os municípios com presença de facções são: Alto Alegre, Amajari, Bonfim, Cantá, Caracaraí, Caroebe, Iracema, Mucajaí, Normandia, Pacaraima, Rorainópolis, Uiramutã e Boa Vista. São Luiz e São João da Baliza não registram atuação confirmada de grupos. O estudo foi produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com os institutos Clima e Sociedade, Itausa, Mãe Crioula e Laboratório Interpretativo Laiv.

Relatórios da Polícia Civil de Roraima indicam que integrantes do Tren de Aragua disputam o tráfico de drogas com outros grupos brasileiros e venezuelanos em diferentes áreas de Boa Vista, o que resultou em uma escalada de homicídios e tentativas de assassinato nos últimos anos. De janeiro até 10 de outubro deste ano, o estado registrou 39 homicídios, sendo 21 vítimas venezuelanas (53,8%) e 18 brasileiras (46,1%). No mesmo período, ocorreram 66 tentativas de homicídio, com 34 alvos brasileiros e 32 venezuelanos.

O Tren de Aragua controla o tráfico nos bairros Tancredo Neves, Buritis, Caimbé, Liberdade e Asa Branca e em acampamentos montados pela Operação Acolhida próximo à rodoviária de Boa Vista. Em novembro, um chefe da facção foi preso em Manaus na terceira fase da Operação Afluência, que investiga assassinatos ligados à disputa por pontos de venda de drogas na zona oeste da capital. Seis pessoas já foram presas e drogas e armas foram apreendidas, mas outros suspeitos continuam foragidos; todos os investigados são venezuelanos. Segundo a polícia, o grupo é responsável por mais de dez homicídios motivados pela disputa por pontos de drogas.

O crescimento do Tren de Aragua em Roraima está associado à crise humanitária na Venezuela, que levou milhares de venezuelanos a buscar refúgio no Brasil. Entre 2015 e 2019, foram registrados 178 mil pedidos de refúgio ou residência temporária. O fluxo migratório intensificou a presença do grupo no estado desde 2016. Em 2022, Roraima teve o maior crescimento populacional do país, mantendo 637 mil habitantes, o menor estado em termos de população.

Os homicídios em Roraima saltaram de 90 em 2020 para 127 em 2021, quando a facção conquistou pontos de venda de cocaína em Boa Vista. Entre março e agosto de 2021, a polícia atribuiu 12 assassinatos ao Tren de Aragua, quatro deles com vítimas esquartejadas abandonadas em vias públicas. Em janeiro deste ano, a polícia localizou um cemitério clandestino, com nove corpos, incluindo ossadas, cadáveres em decomposição, um homem esquartejado e duas mulheres enterradas abraçadas na mesma cova, na zona oeste da capital.

Apesar da expansão do Tren de Aragua, o PCC permanece como a facção hegemônica, atuando nos 13 municípios dominados pelo crime organizado e sendo exclusivo em cinco deles. O Comando Vermelho está presente em oito municípios e domina Amajari, Cantá, Caroebe, Normandia e Uiramutã. Grupos venezuelanos têm múltiplos indícios de atuação, mas ainda há evidências limitadas sobre sua estrutura formal, sendo o Tren de Aragua o mais visível, com presença estimada em ao menos três municípios roraimenses.

O estudo do FBSP ressalta que, na faixa de fronteira, o Tren de Aragua atua como braço do “Sistema”, rede transnacional que articula diferentes grupos venezuelanos envolvidos em tráfico de drogas, armas, combustível e ouro provenientes da Venezuela, e em alguns casos da Guiana.

O crime organizado também domina parte do setor mineral da Guiana, com atuação do PCC e de grupos venezuelanos em garimpos do território guianense. Segundo agentes de segurança, o município indígena de Uiramutã, próximo à tríplice fronteira, funciona como elo logístico estratégico para atividades transfronteiriças. Pacaraima, principal ligação do Brasil com a Venezuela, cumpre papel central como corredor para desvio de combustível, equipamentos e outros insumos destinados a áreas de mineração venezuelana.

O Tren de Aragua ganhou atenção internacional durante o segundo mandato de Donald Trump, quando embarcações com drogas venezuelanas se tornaram alvo do governo americano. Seu principal líder é Héctor Rustherford Guerrero Flores, o “Niño Guerrero”, condenado na Venezuela a 17 anos de prisão por homicídio, tráfico de drogas, roubos, porte ilegal de arma de fogo e falsidade ideológica, mas atualmente foragido. O grupo surgiu em 2005 em um sindicato de ferroviários entre os estados venezuelanos de Aragua e Carabobo e hoje possui presença em Colômbia, Bolívia, Equador, Peru, Estados Unidos e Brasil.

Com informações da Gazeta do Povo