A Polícia Civil de Roraima prendeu nesta quinta-feira (14) um policial militar de 50 anos acusado de manter sua ex-esposa, uma advogada de 55 anos com Alzheimer em estágio avançado, em cárcere privado e sob condições sub-humanas. A operação também resultou no resgate de 60 animais — entre cães e gatos — encontrados em situação de maus-tratos em um sítio no Distrito Industrial, em Boa Vista.
A investigação foi conduzida pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) e pelo Núcleo de Inteligência (NI) da Polícia Civil. Segundo a delegada titular da Deam, Clarissa Pinheiro, o caso começou a ser apurado há cerca de quatro meses, quando familiares denunciaram o desaparecimento da vítima e indicaram que ela estaria sendo mantida isolada e sem os cuidados necessários pelo ex-marido.
A vítima, mesmo com as limitações decorrentes da doença, chegou a enviar mensagens pedindo socorro, mas sem informar a localização, o que dificultou a ação policial. Na fase inicial das investigações, a delegada Carolina Huppes, do Plantão Central Especializado (PCE), chegou a solicitar mandados de busca e apreensão em quatro endereços ligados ao investigado, mas todos foram negados pela Justiça. A Polícia Civil ainda diligenciou nesses locais, sem sucesso.
Em 7 de agosto, uma nova denúncia feita por uma amiga da vítima e o depoimento por videoconferência de um familiar que reside na Paraíba reforçaram os indícios de desaparecimento e da agressividade do suspeito. A Polícia Militar chegou a ser acionada, mas, mesmo após buscas em cinco endereços, não conseguiu localizar o policial, que também não vinha comparecendo ao serviço.
Diante dos novos elementos, a delegada adjunta Kamilla Basto representou pela prisão preventiva do suspeito, o que foi deferido judicialmente. Com informações do Núcleo de Inteligência, a polícia localizou um sítio no Distrito Industrial onde a vítima poderia estar sendo mantida.
No local, os policiais encontraram diversos cães e gatos em estado de abandono, feridos, subnutridos e em condições degradantes. O caso motivou o acionamento da equipe do Instituto de Criminalística Perito Dimas Almeida (ICPDA) e da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), coordenada pela delegada Maryssa Batista. Ao todo, foram contabilizados 60 animais em situação de maus-tratos.
Ao tomar conhecimento da ação policial, o militar entrou em contato com a polícia, afirmando que se entregaria e que também apresentaria a ex-companheira. Ele foi preso no escritório de seu advogado, localizado no bairro Cauamé.
A vítima foi encontrada em estado de extrema fragilidade física e emocional, com múltiplos hematomas, ferimentos, sinais visíveis de desnutrição e falta de cuidados médicos e pessoais. Segundo o suspeito, as lesões seriam resultado de quedas ou de momentos em que precisou contê-la, alegando ainda que ela se tornava agressiva com ele.
O PM alegou que a advogada estava com ele há apenas 15 dias e que nesse período ambos teriam se hospedado em hotéis, já que a chácara não possuía mobília. Disse ainda que a vítima teria sido despejada da residência anterior por causa de reclamações de vizinhos sobre maus-tratos a animais, e que ela o ajudava com despesas, incluindo alimentação dos animais e reparos em seu carro.
Após o resgate, a mulher foi acolhida na Casa da Mulher Brasileira, onde recebeu atendimento psicossocial, alimentação e cuidados médicos imediatos. Posteriormente, ela foi entregue aos cuidados de amigas próximas, que ofereceram acolhimento temporário e rede de apoio.
A vítima é ex-integrante do Centro Humanitário de Apoio à Mulher (Chame), instituição na qual atuou profissionalmente em defesa dos direitos das mulheres.
O policial nega as acusações de cárcere privado e maus-tratos à vítima, atribuindo o seu estado de saúde à doença e alegando que sempre a alimentou. No entanto, ele foi também autuado em flagrante por maus-tratos a animais pela Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente. Uma equipe da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Sema) esteve no sítio e aplicou multa contra o policial.
De acordo com a delegada Maryssa Batista, os 60 animais permanecerão no local, já que o estado e o município não dispõem de abrigo adequado. Um grupo de voluntários se comprometeu a prestar cuidados emergenciais.
A delegada Clarissa Pinheiro destacou que a ação demonstra o compromisso da Polícia Civil com a proteção de vítimas vulneráveis e a responsabilização de agressores, mesmo quando ocupam funções públicas.
“Nosso compromisso é garantir segurança e dignidade às pessoas mais vulneráveis, e esta operação evidencia o impacto da investigação minuciosa e da ação coordenada”, afirmou.
As investigações seguem em andamento, com a análise de provas e o aprofundamento dos depoimentos.